25 abril, 2006

Incompelitude

Ontem ao jantar, a minha mãe admirou-se do tempo que já passou desde 1974.

Não podia deixar de colocar neste bolg, expoente máximo da minha liberdade de expressão enquanto individuo, uma nota de memória perante as portas que se abriram em 1974. Não posso deixar de lembrar também as pessoas que evitaram e ainda evitam a construção de um salão miserável no lugar do espaço semi-aberto que temos hoje.

Ao longo da semana passada proliferaram os documentários sobre os tempos da revolução. Ontem a baixa da cidade estava mais cheia que em algumas festas populares; fizeram-se concertos que passaram musicas de má qualidade, com letras que falam de uma liberdade ligada à ditadura de um povo analfabeto, deitou-se fogo de artificio, os cafés encheram, fez-se um bom negócio. Mas não deixa de ser interessante pensar que o 10 de Junho e o 1º de Dezembro são feriados muito mais importantes para a nossa história e identidade colectiva, e, ainda assim, não há fogo de artificio, não se conhece muita gente que pense nesses dias com particular carinho, e acima de tudo, não se levantam ondas acerca do enfeite da lapela de ninguém.

O problema do 25 de Abril, e a sua posição única no panorama das festas nacionais portuguesas prende-se com dois factores. O primeiro, bastante óbvio, tem a ver com o facto de, contrariamente ao lugar comum de se homenagearem apenas os mortos, este feriado contar com o louvor a uma boa quantidade de viventes. Coisa interessante será pensar que esses viventes que reclamam a igualdade para todos, deixam-se louvar em viva, deixando morrer no esquecimento vultos muito maiores da nossa cultura e artes.

Em segundo lugar, a importância dada ao feriado de Abril vem de o povo bruto e analfabeto que participou da revolta de 1974 ser o mesmo povo bruto e analfabeto que hoje vagueia pelas nossas ruas. As campanhas de alfabetização foram apenas uma mera manobra para iludir as estatísticas, e hoje sabemos que a elevada percentagem de analfabetos em 1974 é hoje igualdade pela percentagem de analfabetos funcionais (pessoas que, tendo aprendido a ler, escrever, e a fazer as operações básicas da aritmética, são incapazes de interpretar um texto ou de estimar somas, subtracções, multiplicações e divisões). Por isso o 25 de Abril de 1974 é tão importante para este povo bruto e analfabeto. Porque passamos a legitimar a sua opinião como sendo a mais importantes, porque agora basta mentir, e ter falinhas agradáveis à populaça bruta e analfabeta para se poderem ganhar eleições. Porque o povo é bruto e analfabeto funcional e não muda, não quer mudar nem está disposto a aceitar ninguém que queira mudar.

Porque desde 1974 não se pode obrigar o povo a se superar. Porque desde 1974 a liberdade individual só pode ser concedida no seio dos interesses de um povo bruto e analfabeto. Porque desde 1974 temos andado a arrastar Portugal por um caminho que as outras nações já mostraram não ser viável torna-se importante que se deixe de pensar em Abril de 1974 e se começe a pensar no futuro.

2 comentários:

  1. O seu olhar para o futuro é feito com notorio saudosismo do passado, o caminho desbravado pelo 25 de abril é o da liberdade e democracia. O povo, mesmo "bruto e analfabeto" tem o direito de escolher o seu destino, e de não ser oprimido por um "iluminado" detentor da razão absoluta.

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  2. Boas,sr. Filipe!
    Escolhi iniciar a minha participação neste blog(sim, a escrever olhando para o desajeitado teclado)comentando este artigo por me parecer o mais polémico. Oh!, e como adoro uma boa polémica!
    Aqui a questão tem, decerto, muito mais que ver com o desencanto com os caminhos da democracia moderna do que com a democracia em si.
    É verdade que a corrupção alastra(ou mantém-se?) e a bestialidade ganha adeptos, a desigualdade aumenta, mas não será essa uma inevitabilidade dos tempos modernos? Não será essa uma realidade mesmo nos países onde não existe Esta Democracia, Esta Liberdade? E se a resposta é sim,como acredito, então não será melhor viver com a possibilidade de todos acreditarmos num futuro melhor? A questão de fundo é se estamos prontos para aceitar o longo e árduo trabalho de acreditar nos nossos irmãos, camaradas, companheiros, colegas, concidadãos,(é escolher a gosto) aceitar as suas falhas e enfrentá-los quando necessário(como em 74), ou desistir de todo e qualquer ideal regenerador, isolarmo-nos na nossa crença?(qualquer que seja)
    Não haverá iniquidade em cada ser, em todo tempo, em qualquer lugar? A esta eu sei responder. Sim. Assim sendo, prefiro bem enfrentá-la sabendo que, do fundo das minha incompetência intelectual, o meu voto valerá 1 voto e o do meu irmão 1 voto, do 1o-ministro 1 voto e o do Zé da taberna da esquina 1 voto.

    Nota número 1 - não estou a apontar nenhuma tendência anti-democrática em ti, Filipe! Mas gosto de ver até onde desenrola o novelo. Agora tens de responder, claro. (Não é maravilhosa a Democracia?:) )

    Nota número 2 - espero não ter parecido moralista ou pretensioso. Principalmente para quem acabou de chegar a este espaço.

    Nota número 3 - a última parte deste texto não te fez lembrar o Festival da Canção?...

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