31 maio, 2006

Memória do Gato Branco

Sim, é verdade, hoje contrariei todas as regras de trânsito que pude contrariar num espaço de quinze minutos. Vinha para casa e dois carros de luxo, da classe alta, provavelmente daqueles seres horrorosos, que só pensam na sua maquilhagem, nas suas “bombas” e nas férias que passam a cada ponte ou feriado ultrapassaram-me... E não, não fiquei furioso por isso, tanto até porque o meu carro ainda é um 1.4, e também sabe voar pelo asfalto, quando as condições são ideais (falo, naturalmente, naquelas autoestradas bem construídas, com bom piso e pouca gente). O problema é que hoje não era dia para isso, não a esta hora, não no meio de uma avenida onde pessoas passeiam de dia e deambulam de noite.

Não sei como se passou, sei que no semáforo antes de minha casa encontrei o Gato Branco a estrebuchar no meio do asfalto... já sabia que não havia nada a fazer por ele, e no entanto não fui capaz de passar ao lado... contornar a roda para evitar pisa-lo... não... nunca faria isso, é indigno, até para um animal, morrer com alguém a ignora-lo. Fiz uma boa marcha atrás na avenida de sentido único, de quatro piscas, com o respeito devido pelo infeliz acidente. Virei por outra rua, andei um pouco em contra mão por uma faixa reservada a autocarros, meti-me em vielas, voltei a andar numa faixa reservada a autocarros, desta feita fi-lo do devido sentido... ainda tive tempo de ver o último estrebuchar do Gato Branco...

E agora? Vão-me tirar a carta ou mandar pender porque me recusei (ao contrário do tipo que seguia atrás de mim) a passar ou lado, ou dar mais uma pantufada num animal moribundo? Talvez os senhores advogados achem este meu escrito uma prova suficiente para me condenar, para me passar uma multa, para fazer algo que me obrigue a respeitar o longo, enfadonho e balofo edifício legal que constroem e criticam... mas por outro lado, fique-lhes o consolo, que se um dia vir um advogado a estrebuchar no meio da rua, talvez me lembre do Gato Branco... ou talvez me limite a cumprir o código e dar-lhe uma pantufada com a roda esquerda.

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